Igreja: um modelo para a Cidade

No desenvolvimento dos séculos, a partir de sua nascente, a Igreja passa por algumas transformações, e algumas destas quase que descaracterizaram inteiramente este corpo vivo de seguidores do Cristo. Uma das mais desfigurantes rupturas no seio da Igreja, em relação à tradição apostólica, obviamente, diz respeito à associação da Igreja com o poder romano. Bem sabemos que sempre houve distorções no que se refere à natureza da Igreja. Mesmo entre os Apóstolos, havia quem ainda associasse o movimento Cristão a um tipo de religiosidade templária judaica, e, daí, nasce aquele breve conflito sobre a pertinência ou não da circuncisão para os gentios, que em seu ápice teve aquele encontro “face a face” entre Pedro e Paulo (Gl. 2:11-14). Paulo havia compreendido que a Igreja era um projeto universalista e interétnico, que já não poderia se basear num culto em torno dos ritos e cultura judaica. Em Cristo, a espiritualidade supera o templo e adentra ao seio dos povos, assumindo características comunitárias como repartir o pão, partilha de riquezas, diaconia, etc.

O Projeto de Deus, na verdade, desde Adão e Eva, passando pela Lei (cuidado de Deus), pelo estabelecimento do Reinado (vontade dos homens), estabelecimento do Templo (vontade dos homens), pelos Profetas (redirecionamento) até a plenitude dos tempos em Cristo Jesus, foi caracterizado pela preocupação do estabelecimento de uma fé íntegra que se desenvolve na vida, no cotidiano, na promoção de justiça e equidade; em síntese, a promoção do Reino.

A Igreja nasce profeticamente na história, com um Projeto de Deus para o estabelecimento do Seu Reino no Mundo: foi assim com a Lei, foi assim com a nação de Israel. A Igreja não pode ser caracterizada como Templo (habitação de Deus), pois, além de Deus nunca ter pedido uma morada, também e mais importante, por meio do Espirito Santo, todos aqueles que recebem a Cristo tornam-se morada de Deus, ou seja, aquela ideia de Casa de Deus que ainda a cultura religiosa destaca como característica principal da Igreja não é Bíblica. Mas, então, o que é Igreja?

Kenedy Donato

Igreja enquanto Ekklesia

Quando Paulo diz que Jesus foi enviado a nós na Plenitude dos Tempos, ele estava se referindo ao movimento histórico de Deus. Deus estava atento a todos os acontecimentos no mundo, mudanças de paradigmas e de poder. A experiência grega da democracia havia sido desfigurada diante da expansão dos impérios (primeiro de Alexandre e depois os romanos). Muitos Gregos eram saudosos e orgulhosos da antiga Democracia Grega e muitos Romanos, inclusive Paulo (Romanos 13: 01 – 08), eram fortemente influenciados pelo Espirito Republicano, pois ainda viam a autoridade Política no Senado Romano, no Magistrado e nas Assembleias, mesmo que enfraquecida diante da exacerbação de poder dos diversos imperadores.

A antiga experiência Política Grega e, de certa maneira, o espirito Republicano Romano, era vivenciado no âmbito do espaço público (Ekklesia), isto é, local mais elevado na sociedade onde a Pólis (cidade) era o centro do debate. Ekklesia, para além da ideia de assembleia, significava convocação do âmbito individual, das preocupações privadas da vida, para a vida pública, para a pluralidade, para o bem da Pólis, para o bem e encontro com o outrem.

Jesus não veio para ser mais um imperador; veio para estabelecer uma mentalidade acerca de Deus, da espiritualidade, da vida e da justiça, baseada num espirito comunitário e plural, inclusive, muito mais profundo do que a experiencia de democracia grega e o republicanismo romano, em que a ação política era privilégio somente das elites, considerando somente homens das classes mais abastadas, renegando mulheres, crianças, escravos e as populações mais pobres.

O foco da Ekklesia encontra-se no outro: para os Gregos e Romanos estes outros eram somente os cidadãos da elite; para a Ekklesia, fundada por Cristo, o foco estava, primeiro, em Deus e depois em todas as pessoas, principalmente, nos pobres e marginalizados. Em Cristo, funda-se o verdadeiro espirito democrático, no qual todos, dos mais pobres aos mais ricos, de escravos a senhores, judeus a não judeus, todos podem ser Eleitos como cidadãos do Reino. A Política (ética da Pólis), tanto para os gregos e romanos, quanto para os primeiros cristãos, não significava poder ou algum tipo de utilitarismo em relação à administração pública, mas, sim, construção plural de ideias e conceitos que eram postos em prática na vida da Pólis (cidade). Jesus não convocava e não convoca pessoas para melhorarem suas vidas particulares ou só para sua salvação individual; ao contrário, para pensar, construir junto com o outro novas relações justas entre homens (iguais), que, na soma coletiva, beneficia o todo (Reino/Pólis).

Portanto, a Ekklesia não nasce como um modelo de religião. Ekklesia não é casa de Deus, tampouco uma instituição e, menos ainda, um local de prestação de um culto ou adoração individual. Ekklesia é o modelo de Deus para a sociedade, no qual imperam relações justas e equitativas. Lugar onde todos podem desfrutar da mesma graça, suportando uns aos outros. Neste sentido, a Igreja é essencialmente política, mas se afasta e contrapõe totalmente os sistemas de poder. Podemos e devemos ser políticos (cuidadores e guardiões da Ética da Polis), no entanto, devemos rejeitar o poder. Muitos crentes têm escolhido o caminho do poder, do utilitarismo individual ou institucional, porém, alguns têm entendido o sentido profético de vida pública. Portanto, eis a essência da Política; eis a essência da Igreja: o serviço ao outro.

Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo. Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros. De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz. Filipenses 2:3-8

MUDE UMA VIDA HOJE

Enquanto a pobreza, a injustiça e a desigualdade persistirem, nenhum de nós poderemos realmente descansar. Não é preciso muito para mudar uma vida, entre em contato hoje e comece a fazer a diferença.